Uma revolução muito mais que fashion: Entrevista com Fernanda Simon

Fernanda Simon, Coordenadora Nacional do Fashion Revolution Brasil | Foto Divulgação

 

Você já se perguntou quando comprou uma nova peça de roupa, quem as fez? Em que condições de trabalho? Se essa pessoa teve o merecido valor por produzir a roupa que você acabou de adquirir em uma loja? Pois é! Essa é uma questão que permaneceu dormente durante muito tempo entre profissionais da moda e consumidores.

Perguntar quem fez suas roupas vai muito além de uma simples pergunta, perguntar quem fez suas roupas é perguntar se aquela moda é consciente, se aquela moda é um alguém por trás daquele tecido, daquela costura e daquele corpo que hoje veste a roupa que foi confeccionada. Foi assim que surgiu o Fashion Revolution, do desejo de espalhar a todos uma pergunta… que significa um mar de conscientização.

Diante de diversos escândalos envolvendo marcas que mantinham trabalhadores em situações de trabalho escravo, e diante do grande problema ambiental que o mundo fashion cria todos os dias ao planeta, surgiram pessoas, surgiram ideias e surgiu um grito no meio de todo esse caos.

O Fashion Revolution foi criado em 2014, após um acidente no edifício Rana Plaza, em Bangladesh, em 24 de abril de 2013, que matou 1.133 funcionários e fez mais 2,5 mil feridos. O evento buscou fazer uma reflexão sobre o verdadeiro custo da moda, apresentar seu processo de produção e mostrar transparência entre os participantes desse processo, envolvendo tudo em uma atmosfera sustentável. Atualmente, o evento se espalha pelo mundo todo e possui uma forte presença aqui no Brasil.

Conversei com a coordenadora do Fashion Revolution Brasil, Fernanda Simon, sobre a esfera da moda consciente e sobre a verdadeira revolução que o evento pode trazer na indústria têxtil e nas formas de consumo.

Fernanda Simon é diretora nacional do Fashion Revolution Brasil, co-idealizadora da Brasil Eco Fashion Week e consultora da UN Moda Sustentável. Fernanda tem fortes ideologias, acredita que o planeta passa por um momento crucial de mudanças e que a moda é um importante agente de transformação.

 

Confira a entrevista:

 

Como o slow fashion pode restabelecer elos entre quem consome, quem produz e entre o que é consumido?

A importância de retomarmos essa ligação é sabermos valorizar as pessoas que produziram as roupas que compramos. O trabalho desses profissionais é muito importante, mas em geral essas pessoas não são valorizadas, acabam escondidas atrás da roupa pronta, e não pensamos em como se dá todo o processo de produção e em que condições e ambientes ele aconteceu. Por conta dessas questões e do ritmo da fast fashion, a profissão de costureiro acabou sendo desvalorizada pela despersonalização do produto, que são as roupas agora produzidas em grande escala, e pelas longas e exaustivas jornadas de trabalho implementadas para dar conta dessa demanda das grandes marcas de varejo.

Então, nosso objetivo é trazer para a discussão esse contexto e fazer com que esses profissionais sejam reconhecidos e valorizados por realizarem um trabalho que também é importante e muito bonito. A moda é muitas vezes um objeto de desejo e de luxo. Também é um produto muito relacionado à nossa personalidade, à história, enfim, diz muito sobre nós e sobre a cultura de onde vivemos. Assim, esperamos que esse luxo e valor sejam empregados ao longo de toda a cadeia produtiva.

 

Como surgiu a ideia de realizar eventos como o Fashion Revolution Brasil?

O Fashion Revolution Brasil nasceu em fevereiro de 2014, mas foi lançado oficialmente em maio do mesmo ano. O movimento começou com uma equipe pequena, eu Fernanda e a Bruna Miranda que cuidava da parte de comunicação, depois de alguns meses foram chegando às outras meninas. Eu morei em Londres por alguns anos e trabalhei para a Jocelyn Whipple, peça importante na moda sustentável na Inglaterra e também umas das coordenadoras do Fashion Revolution Global. Voltar para o Brasil já estava nos meus planos e me surgiu a oportunidade de representar o movimento, foi assim que aconteceu! Hoje o movimento conta com representantes em diversos estados e cresce a cada dia através de muita união e colaboração.

 

Quais os impactos que esse evento busca promover no consumo e na produção da moda?

Conscientização, percepção do todo e do outro, essa é a chave para a verdadeira revolução. A revolução da moda começa bem antes de nossas roupas, começa em nós mesmos, na nossa consciência e na nossa sensibilização ao meio ambiente, aos animais e aos seres humanos. Após a percepção vem o segundo passo, a ação. Imprescindível que haja disponibilidade e interesse de agir em prol do que se acredita de forma genuína e eficaz.

 

Quais as maiores mudanças no mercado fashion nacional após a criação do Fashion Revolution Brasil? Acredita que a conscientização em marcas fashion e em seus consumidores será algo cada vez mais crescente?

Sim, eu acredito que as mudanças estão acontecendo, devagar, pois o processo é longo e complexo, mas estão sim. Diversas iniciativas e marcas surgiram no Brasil com estes princípios na base do negócio. Também é possível observar que revistas tradicionais de moda, grandes varejistas e até faculdades mostram cada vez mais interesse e preocupação em desenvolver a temática.

 

Quais os próximos objetivos para a moda consciente no Brasil? Busca expandir ainda mais o evento ou criar novos projetos?

O movimento Fashion Revolution cresce de forma significativa a cada ano, tanto em número de cidades, universidades como no engajamento do público. Em 2017, por exemplo, tivemos eventos em 39 cidades brasileiras, neste ano o movimento esteve em 50 cidades e teremos ainda mais eventos. Este ano teremos a realização do primeiro Índice de Transparência da Moda do Brasil, que analisa grandes marcas nacionais de acordo com a disponibilização de dados públicos em seus canais. Outra novidade foi o Fórum Fashion Revolution que reuniu no país, pela primeira vez, trabalhos académicos de moda com foco em sustentabilidade.

 

Como você encara as marcas de fast fashion e o movimento “see now, buy now” que lidam muitas vezes com situações de trabalho escravo e mão de obra barata?

Nas nossas palestras as pessoas sempre nos perguntam se essa situação só acontece no ramo da fast fashion, que é o das grandes redes varejistas de roupas. Mas não. Isso também acontece com roupas de designers, mais caras. Às vezes, essas roupas de altos preços são feitas na mesma confecção da fast fashion. Por outro lado, também existem grandes varejistas e designers que têm uma preocupação maior com essa questão, não podemos generalizar.

 

Qual dica daria para alguém que pretende seguir no mundo da moda e para alguém que consome moda?

O Fashion Revolution traz a pergunta mote da campanha #quemfezminhasroupas, pois acreditamos que a partir deste simples questionamento nós podemos reconectar o elo perdido entre o costureiro e o consumidor, conhecer quem está por trás de nossas roupas e garantir que a qualidade de vida dos trabalhadores seja sempre assegurada.

Acredito que a partir da conscientização e informação sobre a problemática social e ambiental escondida nas roupas, o indivíduo pode compreender, de forma integral , que tudo e todos estamos conectados, assim as mudanças comportamentais (como o que se consome, o que se compra, o que se veste, o que se descarta) podem gerar impactos positivos ou negativos no meio ambiente e na vida de outras pessoas.

Escolhas mais conscientes, a partir de uma mudança de mentalidade, podem variar desde o simples ato de não comprar, usar o que se tem, cuidar bem, consertar e trocar com amigos. Se um produto novo realmente for essencial, atitudes como comprar de produtores locais, com procedência ética, matérias-primas mais ecológicas, escolher peças mais atemporais e com qualidade que garantam maior durabilidade, são caminhos que na prática, podem ajudar.

Ressalto que não existe uma fórmula e uma única solução, por isso é importante que cada um entenda a melhor forma atuar em busca de um impacto positivo.

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Yasmin Araujo, 21 anos, estudante do 4º ano de Jornalismo. Vive em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, é apaixonada por moda e tecnologia. Encontrou no mundo dos blogs uma maneira de fazer a diferença.
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